Úrsula, de Maria Firmina dos Reis. Conhece?
...pouco vale este romance, porque escrito por uma mulher, e mulher brasileira, de educação acanhada e sem o trato e conversação dos homens ilustrados.
Olá para todos!
Maria Firmina dos Reis, São Luís, MA. 10/03/1822-11/11/1917. Desenho a pastel seco, por Tony Romerson Alves. |
Hoje vou trazer para vocês a resenha, que na verdade é uma indicação de leitura, do livro Úrsula, de Maria Firmina dos Reis.
Antes de tudo, quero dizer que para mim foi uma surpresa o término da leitura desse livro. Inicialmente, eu não fazia ideia que a Literatura Brasileira contivesse livros escritos por autoras mulheres, porque eu realmente só havia estudado as literaturas clássicas de “grandes nomes” como Machado de Assis, José de Alencar, Aluísio de Azevedo etc.
Para mim, ignorante nesse sentido até então, a literatura feminina era algo inexistente até meados do ano passado (2017).
Em uma das disciplinas da Universidade, Literatura Brasileira II, fomos obrigados pela professora a ler livros de autoras femininas e defendê-los em um debate que valeria a nossa segunda nota.
Ótimo! Eu adoro leituras obrigatórias. A-DO-RO.
Tudo bem. Fiquei com Úrsula e antes de iniciarmos a leitura, a professora nos situou, ou me situou, na magnitude da literatura feminina, tanto livros como poesias, poemas, crônicas, entre outros.
Ela nos apresentou um livro enorme (que não tenho a referência - erro meu) e nele conheci o universo feminino apagado até hoje pelos grandes nomes masculinos. Textos maravilhosos, construções belíssimas cheias de sentimentos e encantos.
Mas, OK. Vamos voltar ao livro, Andye? Sim, vamos!
Úrsula conta uma história de romantismo exacerbado como tantas outras que foram escritas nessa época. A primeira vista, por saber que a autora era negra, imaginei que o livro falava apenas de negros e escravos, mas não, ele retrata, além de críticas sociais e patriarcais, aquele amor desesperado, incontrolável, que não tem sentido de existir por não estar com o outro. Aquele amor que nunca se concretiza (Spoiler? Talvez. A gente já sabe que as narrações da época tendem a não terminar bem).
Em seu universo fictício, contamos com alguns núcleos que chamam a atenção e eu os apresentarei aqui.
O primeiro núcleo é apresentado no início da trama e narra a história de Tancredo, nosso personagem principal, Adelaide, a garota por quem ele é apaixonado e seu pai, um homem curto e extremamente grosso.
Nesse primeiro núcleo temos mentiras e interesses a serem apresentados e eu confesso que me surpreendi com o que ele nos apresenta ao longo da leitura. Adelaide é uma personagem maravilhosa, determinada e forte, o que não era comum para a retratação de mulheres na literatura da época. Ponto positivo para Maria Firmina!
Nosso segundo núcleo é formado por Úrsula, nossa heroína, Tancredo e o tio de Úrsula, o Comendador e vilão mais asqueroso que você poderia imaginar para essa narrativa. Esse núcleo é marcado de dores, lutas, tristezas... É aqui onde está o romantismo característico à época e é no Comendador que encontramos todas as asquerosidades da trama.
Mas ok! Fazer o que?
Mãe Susana na capa da edição de Úrsula |
Por fim, chegamos ao último núcleo, o meu preferido, composto por Túlio, mãe Susana e Antero, escravos destacados na narrativa.
A diferença da apresentação desses personagens escravos é que eles são verdadeiramente escritos por uma negra, afrodescendente, que presenciou todas as barbáries de uma época marcada por lutas e dores.
Ao contrário do que vemos em livros narrados por homens brancos que evidenciam algum povo (Iracema, de José de Alencar, por exemplo), idealizados aos seus olhos, onde muitas vezes são os vilões ou apresentam algum tipo de inferioridade em relação ao povo a quem eles pertencem, em Úrsula temos alguém de dentro escrevendo sob a sua ótica os horrores e dificuldades de um povo marcado. Não existem romantização na narração desse núcleo, não há esteriótipos ou idealizações. É aqui onde as coisas são retratadas tal qual o são. Essa, para mim, foi a melhor parte do livro e foi nela que me apeguei para defender o meu debate.
Então, Andye, por que eu tenho que ler esse livro?
Pergunta simples e, para ela, deixarei alguns pontos que, a meu ver, são os mais importantes:
Ponto 01: Foi escrito por uma mulher, numa época onde as mulheres eram apagadas e não tinham direito a nada. Como se não bastasse, Úrsula foi publicado sob o seu nome, ou seja, ela não utilizou heterônimos masculinos, mostrando o quanto era ousada e a frente de seu tempo;
Ponto 02: Além de mulher, era relativamente pobre, especula-se que filha de escrava com branco, por isso bastarda, criada por João Pedro Esteves e Leonor Felipe dos Reis (sua tia materna). Além disso, Maria Firmina dos Reis foi prosadora, poeta, compositora e professora, criadora da primeira escola onde meninas e meninos estudavam juntos e ninguém menos que a primeira escritora brasileira;
Ponto 03: Produzido em 1859 pela Tipografia do Progresso, de São Luís, Úrsula foi o primeiro livro no Brasil a ser publicado por uma mulher, também foi primeiro a ter por autora uma pessoa afro-brasileira e o nosso primeiro romance abolicionista;
Ponto 04: Úrsula critica a Igreja e a consciência cristã da época que se dizia seguidora de Cristo, mas permitia a escravidão e foi um obra muito importante para essa questão, pois trazia muitos leitores à verdadeira "consciência cristã". Nesse aspecto, há cenas realmente fortes e que ferem a alma (principalmente se você for bisneta de escravos e tiver ouvido narrações sobre o fato);
Ponto 05: É um livro de fácil leitura, pequeno, linear e sem muitas complexidades da parte das personagens, embora que é bem provável que alguns deles possam te surpreender e despertar amor ou ódio ao longo da leitura. Lágrimas também podem existir, dependendo do envolvimento com a obra;
Ponto 07: É uma narrativa cheia de altos e baixos. Embora a leitura seja linear, as personagens sofrem várias reviravoltas ao longo da história, o que não o torna enfadonho;
Ponto 08: Temos a presença de um vilão sádico, cruel, horrendo e que vai despertar todo asco que existe em você;
Ponto 09: Há um crescimento maravilhoso do núcleo composto por escravos e é descrito sob a ótica de uma negra, que não fora escrava, mas presenciava de perto a rotina que viviam. O livro apresenta em toda a sua trama a diferença racial predominante na época (que perdura até hoje, talvez?) e mostra, de forma ousada para o tempo em que foi escrito, que ambos, negros e brancos, são iguais em suas virtudes e maldades.
Ponto 10: De acordo com o escritor paraibano Horácio de Almeida (1896-1983), Úrsula é " uma verdadeira raridade literária, umas dessas preciosidades que têm interesse histórico."
Ficou interessado em ler? Então disponibilizo aqui o link para download. Não deixa de voltar e dar a sua opinião.
Até a próxima!
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