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Ernest Hemingway entendeu o significado da expressão "menos é mais". Em um livro com um evento tão simples (um homem pescando solitariamente) e pouquíssimas páginas, conseguiu imprimir questões existencialistas e criar um clássico profundo. Este texto (com spoilers) é uma breve reflexão sobre O Velho e o Mar, última grande obra do autor e que o levou ao nobel de 1954. 

O velho Santiago não pesca nada há mais de 80 dias. Sua vida é solitária e miserável, e ele é motivo de chacota na vila de pescadores onde mora. Como companheiro, há apenas um menino que era seu antigo ajudante na embarcação, que se solidariza pela humildade do pobre senhor e o faz companhia.

 A cada dia, impulsionado pelo otimismo deste menino e pela sua própria necessidade de sustentar-se, Santiago entra em alto mar com seu barquinho, uma garrafa d'água e o otimismo de que aquele dia será diferente dos oitenta anteriores. E deste modo, ao longo de todo o livro, Hemingway nos leva para uma cruzada de provação com o velho pescador. 

Santiago, um homem sozinho em meio ao oceano selvagem, um lugar inóspito e hostil até mesmo a aqueles que o conhecem e tiram sustento dele, representa a todos nós. Por mais que tenhamos família e amigos ao nosso redor, a vida é uma cruzada solitária, uma vez que nascemos só e morreremos só neste mundo (oceano). 

O velho fala sozinho, complementa suas reflexões em pensamentos e lamenta não poder ter o menino ao lado para aliviar a sua carga de trabalho. A solidão o cerca e ele não pode contar com mais ninguém, além dele próprio. E nós ponderamos quantas vezes nos tornamos impotentes por esperar uma ajuda que não virá. Quantas vezes contamos com o outro, quando, na verdade deveríamos nos empenhar independente e ponto? 

E o velho Santiago se empenha! Se afastando cada vez mais da costa após ter fisgado um Merlin no oceano profundo, e navegando para o coração do mar, decide que lutará sozinho até cansar o peixe e alcançar seu objetivo, afinal foram oitenta dias de trabalho em vão. Para alguns, oitenta dias pode ser um ano, uma década, uma vida. Quando almejamos metas melhores e acordamos dia após dia para fazer alguma diferença em nosso mundo particular estamos no mesmo ciclo do protagonista. O Merlin é um obstinado (como o velho) e não entregará sua vida facilmente ao homem. A pescaria é a vida, árdua, mas estranhamente recompensadora se persistirmos. O Merlin é nossos sonhos, exige empenho para ser conquistado. 

Em meio a esta pescaria que vai se tornando uma provação, exigindo de ambos os lutadores, o Merlin e o velho, o homem e a natureza, os objetivos e as dificuldades, Santiago toma cada vez mais consciência de como a solidão o engole. "E agora estavam ligados um ao outro, e assim se encontravam desde o meio-dia. E não havia ninguém para ajudar nem a um nem ao outro".  

A batalha é profunda e quando o homem a ganha, embora exista satisfação, não há felicidade em sua vitória. Ele sente respeito pelo perdedor que lutou bravamente e, enquanto o arrasta para a encosta com reverência, lamenta por sua vida. É o modo como o homem lida com a natureza. Ela é bela e bravia, e vencê-la tornasse uma conquista, mas também um pesar. A natureza também é selvagem (assim como a vida) e nos pune por nossa pouca diligência, se aproveita de nossas fraquezas, como os tubarões que Santiago não consegue afastar devorando todo o animal pescado com tanto sofrimento. 

Um homem exausto retorna do mar com não mais do que uma carcaça do que fora o poderoso peixe. Ele volta para casa e dorme em cima de seus jornais antigos sonhando na época em que era menino, visitou a África e conheceu leões. "O velho sonhava com leões". 

Embora esta epopeia de Santiago termine pessimista, Ernest Hemingway usa O Velho e o Mar como metáfora para superação de obstáculos, a busca incansável pelos sonhos, a luta milenar do homem versus a natureza, a solidão do ser humano, as escolhas gananciosas do nosso coração, entre tantas outras possibilidades. Eu, particularmente, gosto de ver o desfecho de Santiago com positivismo. Nós sabemos que ele voltará para o mar quando estiver descansado e pode se sair bem melhor se não cometer os mesmo erros do passado.

Dados da Obra:
Autor - Ernest Hemingway
Editora - Bertrand
Páginas - 126
Tradução - Fernando de Castro Ferro


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