Porque Kylo Ren é o melhor personagem da nova trilogia Star Wars
Em 2015, o ano em que a Disney nos agraciou com o retorno de Star Wars aos cinemas, os fãs ficaram em êxtase. Revisitar esta galáxia tão, tão distante para rever os antigos e queridos personagens, Leia, Han, Chewie, C3P0, R2-D2; e conhecer novos, com tanto carisma quanto, como Rey, Finn, Poe Dameron e BB-8, trouxe um frescor a saga. E, talvez, uma nova esperança.
De fato, deixando os elogios entusiasmados, carregados de saudosismo, assentarem, houve críticas, do próprio George Lucas inclusive, acusando J.J Abrams de estar seguindo os mesmos passos do primeiro filme da trilogia clássica. Pessoalmente, acho as críticas válidas e, apesar da diversão que foi assistir O Despertar da Força (2015) na telona, não posso ser cega para esta verdade.
Entretanto, outro aspecto do filme se tornou alvo de negatividade, o vilão Kylo Ren. Os argumentos utilizados para criticar este personagem iam desde sua postura mimada e descontrolada, pouco temível enquanto construção do arquétipo do vilão, até comentários depreciativos a aparência do ator dizendo que o melhor seria que Kylo não retirasse a máscara em nenhum momento do filme.
Neste post, repleto de spoilers dos Episódios VII e VIII, minha tarefa será apontar os motivos pelos quais Kylo Ren é um personagem injustiçado e, certamente, de longe, a melhor criação desta nova trilogia!
Superar Darth Vader, ícone cultural que atravessa gerações e estampa o movimento nerd há décadas, não é tarefa fácil. A importância do Lorde Sith significou um desafio e tanto para o vilão que viria a substituí-lo na próxima trilogia. Esta tarefa, digamos... ingrata, ficou para o neto de Vader, Ben Solo. Mais do que isto, ficou nos ombros de Adam Driver, seu intérprete, porquê, diferente do avô que era uma máscara com a voz de James Earl Jones, este antagonista tem de mostrar o rosto e colocado a tapa.
Encontrei críticas na internet de que na parte da almirante Holdo, na qual ela se sacrifica para os rebeldes restantes conseguirem escapar do destroyer de Snoke, a cena poderia ter sido melhor aproveitada, causado mais impacto, se houvessem utilizado um personagem significativo na saga como, por exemplo, o Almirante Ackbar. Sem sombra de dúvida, a belíssima construção e impacto emocional das naves se chocando seria arruinada pelo motivo óbvio: não conseguirmos nos conectar a um boneco de borracha, mesmo ele representando este alienígena tão importante para a Aliança Rebelde.
Utilizei este ponto para exemplificar como Darth Vader e outras tantas figuras imponentes que não nos revelam seu rosto humano, trazem distanciamento e não despertam nossa conexão sobre sentimentos humanos. Em O Retorno de Jedi, Luke, sentindo o conflito dentro do pai, chama-o para a luz insistentemente. O rosto de Vader é trazido em foco pela câmera enquanto escuta o pedido de seu filho e nós não sabemos ao certo o que se passa dentro do vilão porque vemos somente uma máscara negra nos encarando. Podemos supor sua hesitação pelo silêncio breve e a frase seguinte dele "É tarde demais para mim, filho", mas só quem conhece a profundidade deste conflito no personagem - até então - é o próprio Luke.
Quando Kylo é um sith mascarado até a metade de O Despertar da Força, supomos sobre seu grande poder e maldade ao, respectivamente, segurar o disparo de um blaster utilizando-se da Força e ordenar à Capitã Phasma o extermínio de todos os aldeões da vila atacada pelos Stormtroopers. Mas, por mais que ele pareça temível está sendo um eco da criação de George Lucas.
Quando Kylo é um sith mascarado até a metade de O Despertar da Força, supomos sobre seu grande poder e maldade ao, respectivamente, segurar o disparo de um blaster utilizando-se da Força e ordenar à Capitã Phasma o extermínio de todos os aldeões da vila atacada pelos Stormtroopers. Mas, por mais que ele pareça temível está sendo um eco da criação de George Lucas.
O real vilão da trilogia nos é apresentado mais adiante, no sequestro a Rey. A heroína o instiga a revelar sua face inimiga e somos surpreendidos com um rapaz de aparência prepotente, quebrando nossa expectativa do homem deformado pelo mal, condição frequente entre os sith, ou pela altiva tez da superioridade, como a de Conde Dookan. Adam Driver sem a máscara é uma espécie de livro aberto. Nos dois filmes já lançados, nos debruçamos sobre os sentimentos mais diversos dele, antevendo seus ataques de fúria e desespero através das expressões incontidas. Ainda nesta sequência, cabe a Rey nos revelar a fragilidade em Kylo ao conseguir confrontá-lo durante o interrogatório e desestabilizar seu emocional dizendo "Você tem medo de nunca ser tão forte quanto Darth Vader".
Nem bem havíamos tomado fôlego para perceber o conflito no jovem sith e J.J Abrams massacra nossos corações em um dos momentos mais profundos de Star Wars, a cena na ponte. Han Solo está frente a frente com o filho que caiu em desgraça e exclama, como se chamasse a atenção de uma criança mal comportada, pelo seu verdadeiro nome, Ben. Han exige que ele retire a máscara porque quer ver o rosto de seu filho, ao que o outro responde "Seu filho se foi. Eu o destruí". Mas, claramente não foi. Sem a máscara que modulava a voz e escondia os olhos, vemos a insegurança de Ben Solo a sombra do Cavaleiro de Ren. Han, claramente percebe também, continua persistindo para que ele volte para casa, volte para a luz. Ainda há tempo. Então temos esta confissão fantástica do vilão "Estou desmoronando. Quero me livrar desta dor. Sei o que preciso fazer, mas não sei se conseguirei. Você vai me ajudar?". O mais velho, ansioso pela reconciliação, concorda, e todos descobrimos, Solo da forma mais dolorosa possível, que Kylo estava era sufocando a luz dentro dele e matar o pai, como o fez atravessando-o no sabre, poderia significar sua passagem plena para o dark side. O fim de sua dor. A dor do conflito.
Em um enredo de construção preguiçosa seria aqui que poderíamos testemunhar a vilania definitiva em Kylo Ren. Ele é uma "imitação" de Darth Vader, assassino cruel de um dos contrabandistas mais queridos do cinema, e nada mais fácil do que colocar um ponto final no embate moral, consolidando de vez as suas intenções obscuras. Já o odiamos o suficiente para tal.
As camadas do rapaz, entretanto, continuam a ser desfolhadas. Após a ponte, ele persegue Rey e Finn pela mata, sedento para se provar como um superior na Força perante a desconhecida que o desafiou mais cedo. O desiquilíbrio emocional dele, por ter acabado de matar o pai, é tamanho, que Finn, embora um singelo Stormtrooper sem habilidade no manejo do sabre, consegue impor ritmo de luta ao sith treinado, que segurou um blaster casualmente, mais cedo na história.
O Despertar da Força se despede de Kylo com Rey deixando-o no chão, sobre a neve, uma grande cicatriz no rosto provocado pelo lightsaber de seu avô, e um conflito ainda maior do que antes em seu âmago. Nesta luta final, Rey venceu Kylo por estar plenamente conectada à luz, enquanto o vilão, mesmo tendo sacrificado Han Solo para este objetivo, continua submergindo do lado negro.
Há dois anos, ao sair da sessão de O Despertar da Força, antes de esmiuçar as falhas do sith como vilão (isto mesmo, como vilão) eu não havia conseguido adivinhar porquê o filho de Leia e Han fora o personagem mais atraente do longa para mim. Precisei esperar o lançamento de Os Últimos Jedi (2017) para compreender o magnetismo de Kylo.
Ryan Johnson foi de um experiencialismo corajoso ao trazer sua versão deste universo aos fãs inflexíveis da saga. Digo isto, livre de qualquer apego cego e sentimental as raízes da trilogia clássica. Para mim, não houve, por exemplo, nenhum drama em conhecer este novo velho Luke, o falho e medroso, aparentemente distante do herói consagrado ao fim de O Retorno de Jedi. Entregue a esta nova forma de ver Star Wars, embarquei de boa vontade na visão do diretor e que surpresa grata foi vê-lo trabalhar justo a dicotomia da luz e da sombra com tanta intimidade.
No episódio VIII, voltamos a observar as brechas emocionais do vilão. Como seu mestre, O Líder Supremo Snoke, o desdenha por emular com infantilidade a figura de Darth Vader, retrata, em duas análises, a humilhação mesmo estando deste lado por escolha, e o contínuo desejo por se provar a tudo e a todos, mas sobretudo para si. Kylo parece mais fraco quando se ancora na lenda do avô. Ele só conseguirá tomar as rédeas de seu destino ao quebrar a própria máscara, símbolo que o ligava a Vader.
No início do filme, ele permanece alquebrado pelo assassinato do pai, o que o faz incapacitado de cometer o mesmo erro duas vezes, ao hesitar, no momento em que tinha a mãe na mira no ataque a nave rebelde. É uma bela (e triste) cena, mãe e filho se conectando através da Força e Leia, embora conformada com o destino do rapaz, desperta Ben Solo em algum lugar.
Com o conflito no auge em seu pupilo, é chegado o momento de Snoke atuar, criando sorrateiramente uma conexão entre o aprendiz e a sua contraparte na luz, Rey. Penso que Ryan Johnson externou as reações de Rey ao se ver ligada ao inimigo, pensando nos nossos sentimentos que ficaram guardados para este personagem. Estamos com raiva, de luto por Han Solo, e ela mostra isso xingando-o de monstro. "Sim, eu sou um monstro", ele anui com resignação, mas cada vez que a conexão entre os dois se afunila - entre a luz e a sombras dentro dos dois - Kylo se conecta consigo também. Ele passa a entender, pelas conversas com Rey, a Força em si, e se abre como nunca o fez a ninguém.
O desfecho do autoconhecimento, aparentemente, se encerra na sala de Snoke. Kylo enfim absorveu o dark side por completo, conseguindo enganar seu mestre para assassiná-lo. Sem remorsos, sem inseguranças, ele está mais confiante do que nunca. Neste ponto, é interessante prestar atenção as palavras dele para Rey, após o combate com os guardas pretorianos. Ele a enxerga como uma igual, diz que ela não tem ninguém, o que, de certa forma, deve ter sido como se sentiu ao longo de sua vida. Mais do que isto, ele confirma que ela não é ninguém. Não é uma Solo nem uma Skywalker, portanto está livre do peso deste legado.
Ele diz "Está na hora do que é velho morrer. Snoke. Skywalker. Os Sith. Os Jedi. Os Rebeldes. Todos devem morrer". Não quer apenas acabar com o que o ameaça, ele quer se encontrar como pessoa, livre das bandeiras que seus pais, seu tio, seu mestre, tentaram empurrar à ele. Até ali, não importava na mão de quem, dos "bons" ou dos "maus", Ben Solo estava sendo manipulado e toma consciência disto em definitivo.
O teste final à revolta de Kylo se dá quando Luke, que deveria instruí-lo na luz e protegê-lo da sedução das trevas, retorna para seus olhos. Há tanto ódio no vilão, a lembrança do homem que o traiu inflamando-o, que se torna cego aos sinais de que seu inimigo não está ali em corpo físico. O gestual dele ao enfrentar o mais velho, a empunhadura ameaçadora da lightsaber, o avanço trôpego para o combate, tudo mostrando que ele continua descendo pelo abismo de seus medos.
Os últimos Jedi termina com o episódio IV em aberto para Kylo Ren. Não sabemos se um sith (isto se ele continuar se intitulando como tal) em grande conflito conseguirá representar ameaça suficiente aos rebeldes remanescentes, muito menos se sua instabilidade pode significar uma era ainda mais caótica para os defensoras da república. Não podemos presumir seus passos, porque ele não é confiável, comete erros e pode ter um ato diferente de tudo que esperamos dos vilões que já passaram em Star Wars. Ele representa a dor da dualidade que a Força impõe com um peso esmagador sobre seus sensitivos. Sua humanidade, em todos os aspectos do que é ser humano, é gritante. A aparência do ator contribuí para esta credibilidade, seu rosto não é monstruoso ou perfeito, é um rosto normal. Não há caricatura da bondade ou da maldade nele e seus atos ruins são compreensíveis até certo ponto...
A verdade é que não importa se Ben Solo tem ódio do pai por jogá-lo na tutela de outro ao pressentir problemas no garoto, ou desprezo pela mãe, a líder mítica da rebelião responsável pela destruição do Império Galático mas sem tempo para enxergar as sombras crescendo no filho, ou desapontamento pelo tio, o cultuado Luke Skywalker, que falhou abominavelmente com o seu padawan mais precioso. No geral, sua família e a responsabilidade de ser filho de Han Solo e Leia Organo, sobrinho de Luke Skywalker e neto de Darth Vader, é o principal conflito de Kylo Ren.
Quem sabe ele não quisesse ser o salvador da galáxia, um general obstinado ou um sith lendário. Ao contrário, ele quisesse ser somente Ben e ainda aja redenção para este vilão. Afinal, se até Anakin, assassino de um Academia Jedi inteira de crianças, encontrou sua paz, e com direito a convite para a festa na vila dos Eowks, por que Ben não encontraria?
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