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Resenha: A Cidade do Sol

Aprenda isso de uma vez por todas, filha: assim como uma bússola precisa apontar para o norte, assim também o dedo acusador de um homem sempre encontra uma mulher a sua frente. Sempre.
E este é o maior ensinamento que eu consegui tirar de A Cidade do Sol. É bem verdade que eu deveria tê-lo lido há bastante tempo, mas acabei passando alguns outros à frente, embora agora, depois de ter iniciado, o tenha feito em dois dias. Sobre a leitura? Difícil!

É complicado para mim, e acredito que para a maioria das pessoas que compartilhe de pensamentos como os meus, imaginar uma menina de quinze anos se casando com um homem de quase quarenta. Esta é a minha primeira grande indignação, embora não vá falar sobre elas.

Essa narrativa de Hosseini conta a história de Mariam, uma harami (bastarda) de quinze anos que vivia com sua mãe, Nana, em uma kolba (choupana) nas proximidades de Herat e que tinha como maior desejo de seu coração morar na cidade com o seu pai.

O livro é muito bem distribuído em quatro partes, sendo estas passadas desde a década de 1970 até meados dos anos 2000. Ele relata, além da história de Mariam, uma grande parte histórica do Afeganistão e isto é feito de forma intensa e envolvente, angustiante.
"Só há uma coisa na vida que precisamos aprender, e ninguém ensina isso nas escolas. A capacidade de suportar."
A primeira parte do livro fala sobre Mariam desde os seus cinco anos até a sua idade de quinze. A menina fora criada por sua mãe em uma cabana/choupana distante da cidade principal, pois era tida como uma vergonha para as três esposas de seu pai, que havia engravidado a jovem empregada da casa. 

Dessa forma, para que o nome do homem fosse preservado, mãe e filha foram enviadas a morar o mais distante possível. Ela era ensinada por um senhor que a amava muito, Mulá Faizulá, que a instruía e orientava para que estudasse e sempre agradecesse pelo que tem.

Nessa primeira parte, há momentos irritantes, não pela escrita ou história, mas é a irritação pelo choque cultural. Li várias coisas que me deixaram indignada, principalmente sobre a forma como Marian, ingênua e desesperada por carinho e atenção, era tratada.
"Acha que ele liga para você, que vai querê-la em sua casa? Acha que ele a considera sua filha? Que vai levar você até lá? Ouça bem o que vou lhe dizer. O coração de um homem é uma coisa muito, muito perversa, Mariam. Não é como o útero de uma mãe. Ele não sangra, não se estica todo para recebê-la. Sou a única pessoa que a ama. Sou tudo o que você tem no mundo, Mariam, e, quando eu tiver ido embora, não terá mais nada."
A segunda parte do livro conta a história de Laila, dezenove anos mais nova que Mariam, e sua vizinha. Laila era uma menina loira de olhos verdes, muito bonita, educada e inteligente, filha do professor do local. 

Rashid, marido de Marian, a proibia de conversar com os pais da pequena que ele dizia serem liberais demais, pois a mulher, casada, andava pelas ruas de véu, e não com a burca, como deveria ser, e permitirem que a menina estudasse.

Laila tinha duas grandes amigas, Giti e Hasina, e um melhor amigo muito próximo, Tariq. Ela também tinha dois irmãos mais velhos, chamados para a frente da guerra contra os soviéticos. 

Tudo parecia ir muito bem para Laila e sua família, até que em 1992, Najibullah, presidente do Afeganistão, se rende aos soviéticos. A partir desse momento, tudo se modificou diante dos olhos da menina que se viu sozinha diante da guerra, sendo levada por Marian para morar em sua casa.
"Para cada tribulação e cada sofrimento que Deus nos faz enfrentar, Ele tem um motivo."
A partir dai temos as partes três e quatro do livro, as mais intensas e difíceis de engolir. Com várias referências culturais, A Cidade do Sol apresenta de forma clara, sem qualquer tipo de rodeio, a realidade enfrentada pelas mulheres em um país que as veem como um objeto utilizado apenas para a procriação.

Confesso que, muitas vezes, senti asco e vontade de abandona a leitura tamanho o meu desespero por aquelas práticas. Todavia, recomendo a leitura, mesmo que pareça difícil e revoltante, pois o desfecho de cada núcleo é surpreendente.

Acredito que o fato que mais me choca é a consciência de que essa cultura é propagada, existente e que acontece diariamente nessas regiões. Aqui, Khaled Hosseini consegue falar sobre a vida das duas protagonistas, suas similaridades e diferenças sem tornar a leitura repetitiva ou cansativa. Ele mostra a realidade dessas mulheres reais representadas por Marian e Laila de forma tão intensa que é inevitável não levar o leitor à reflexão.

Hosseini também nos mostra ao longo da leitura as verdades existentes no Oriente Médio, sobre o Talibã e a inutilidade feminina. Muitas vezes imaginamos algo diferente, filmes e novelas nos apresentam uma realidade mascarada, o que não acontece em A Cidade do Sol. 

Toda a narrativa se passa no Oriente Médio, todas as lutas e dificuldades são narradas sob essa perspectiva, a maldade e brutalidade existente na região é apresentada claramente e é esclarecedora para aqueles que se perdem nas realidades ficcionais televisivas.

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Dados
Título: A Cidade do Sol
Autor: Khaled Hosseini
Tradutor: Claudio Carina
Editora: Nova Fronteira
Ano: 2007
Páginas: 367
Nota: 4,5/5
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